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1. Motivação

1. Motivação

A Constituição Federal de 1988 define o “acesso à informação” como um direito fundamental do cidadão. Com a aprovação da Lei Federal nº 12.527 – Lei de Acesso à Informação Pública (LAI) –, a transparência da informação na administração pública tornou-se relevante e cada vez mais discutida por organizações governamentais e não governamentais, o que faz aumentar a necessidade dos órgãos de governo de se posicionarem quanto a esse tema.

Com o grande número disponível de clientes e a crescente disponibilidade de serviços de acesso, a Web tornou-se o local natural para a publicação das informações públicas dos governos aos seus cidadãos e à sociedade (WOOD, 2011). Paralelamente, o crescente investimento dos governos nas tecnologias de informação e comunicação (TIC) para a prestação de serviços por meios eletrônicos fez com que os dados e informações relativos às atividades públicas estejam agora em formato digital. Esses dois últimos aspectos compõem o que conhecemos como Governo Eletrônico (e-Gov).

Um dos conceitos mais importantes relacionados à transparência e ao e-Gov é o de Dados Abertos Governamentais. Segundo a definição da Open Knowledge Foundation (OKF), os dados são considerados abertos quando “qualquer pessoa pode livremente usá-los, reutilizá-los e redistribuí-los, estando sujeito a, no máximo, à exigência de creditar a sua autoria e compartilhar pela mesma”[1].

Os governos possuem grande quantidade de informações referentes aos seus processos internos e à prestação de serviços para a sociedade que é disponibilizada ao cidadão. No entanto, essas informações, em geral, ainda são publicadas em formatos proprietários ou não legíveis por computadores e software, normalmente em linguagem natural, por meio de documentos texto, planilhas, páginas HTML e outros formatos legíveis por humanos apenas. A disponibilização de dados governamentais abertos permite que eles sejam utilizados segundo a conveniência do interessado, sendo mesclados e recombinados para agregar mais valor com a utilização de aplicações e ferramentas desenvolvidas especialmente para esse fim. Ou, segundo Diniz (2010), “superar as limitações existentes para que usuários de informações do serviço público possam facilmente encontrar, acessar, entender e utilizar os dados públicos segundo seus interesses e conveniências”.

Porém, a expansão da Internet, desencadeada pelo aumento do número de usuários conectados e por essa naturalização da rede como local apropriado de publicação de conteúdo remetem a um já conhecido problema e descompasso relacionado à Web: o volume de informação disponível na rede aumenta exponencialmente sem que mecanismos de busca e interpretação dessa informação sejam criados na mesma medida. O excesso de informações na Internet não representa uma solução, mas acarreta um problema: a desinformação. Para Terra e Bax (2003, p.5), “o excesso de informação está associado à perda de controle sobre a informação e à inabilidade em usar efetivamente a informação”. Assim, diante da sobrecarga informacional, a informação disponível e potencialmente útil acaba transformando-se em um obstáculo para o indivíduo que dela necessita.

As tradicionais técnicas de indexação e busca (Full-text Search, por exemplo) dos mecanismos do tipo Google e Bing não são adequadas para buscar dados com precisão e normalmente necessitam de intervenção humana para que se possa identificar as respostas que realmente atendam às necessidades de quem busca a  informação (BREITMAN, 2006).  Esse descompasso, paradoxalmente ao objetivo inicial de fomentar a transparência e o controle social, pode gerar efeito contrário, criando dificuldades em se encontrar as informações e em interpretá-las. Assim, não é suficiente para o efetivo acesso à informação e a transparência apenas a disponibilização dos dados pela Administração Pública em sítios de internet, tampouco sua publicação em formatos abertos.

Nesse contexto, a Web Semântica e seus conceitos podem desempenhar papel fundamental na forma como esses dados serão disponibilizados e utilizados pela sociedade. Essa tecnologia pode fornecer o arcabouço e a estrutura para que os computadores compartilhem e entendam os dados por meio da criação de padrões que permitam o intercâmbio de informações entre dispositivos e sistemas de informação. Um desses padrões são as chamadas Ontologias.

As ontologias são instrumentos valiosos na organização dos dados de um domínio do conhecimento. Uma ontologia pode ser definida como "uma especificação formal e explícita de uma conceitualização compartilhada" (GRUBER, 1993, p.1) ou ainda, segundo o W3C, como "a definição dos termos utilizados na descrição e na representação de uma área do conhecimento" (BREITMAN, 2006, p.30), e oferece uma estrutura unificadora e uma representação comum à informação desse domínio, facilitando a sua compreensão e fornecendo os elementos necessários para disponibilizar os dados em formato aberto e semantizados.

Devem cumprir a LAI os órgãos públicos dos três Poderes de Estado (Executivo, Legislativo e Judiciário) de todos os níveis de governo (federal, estadual, distrital e municipal), os Tribunais de Contas e o Ministério Público, bem como as autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios (BRASIL, 2011 - Artigo 1º, parágrafo único). O Estado de São Paulo e o seu Parlamento - a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (ALESP) - também devem, portanto, atender aos comandos especificados nessa norma.

Dentre os processos executados dentro de uma casa legislativa, o Processo Legislativo é o de maior importância e interesse da sociedade na busca por informações. Processo Legislativo é o conjunto de disposições que disciplinam o procedimento a ser observado pelos órgãos competentes na elaboração das espécies normativas (BRASIL, 1988). Devido à sua complexidade e à heterogeneidade dos seus dados, é uma área de conhecimento de difícil compreensão para pessoas não especialistas e de complicada automatização através de sistemas de informação. Atualmente, a ALESP disponibiliza as informações referentes aos seus processos em seu portal[2]. Entretanto, esses dados são fornecidos somente por meio de consultas dinâmicas às suas bases de dados e por meio de documentos em formatos que não atendem aos princípios dos Dados Abertos e da Web Semântica.

Nesse cenário, a definição de uma ontologia do Processo Legislativo, baseada em padrões da Web Semântica, construída por meio de métodos e ferramentas da engenharia de ontologias e formalizada por meio de uma linguagem de representação do conhecimento, é fundamental para que se consiga disseminar e melhorar a compreensão desse conhecimento, modelar e desenvolver sistemas de informação que darão suporte e rastreabilidade à atividade legislativa e aos processos de representação política, e disponibilizar todo dado produzido nesse processo em formato aberto e semantizado, promovendo a transparência governamental e a interoperabilidade tecnológica e semântica.

Muitas ontologias para as áreas jurídicas e legislativas foram propostas em trabalhos de diversos países como pode ser verificado em Boer, Radboud e Vitali (2006), Gionis (2006), Boer (2008) e Vitali (2012). Também existe uma iniciativa conjunta de diversos órgãos denominada Projeto LexML Brasil[3] que visa padronizar a identificação e a estruturação de informações legislativas e jurídicas, tendo como objetivo geral organizar essa informação disponibilizada em formato digital pelos órgãos de governo (PROJETO LEXML BRASIL, 2008). Porém, os padrões definidos por esses trabalhos restringem-se, em geral, a modelar e estruturar os produtos gerados pelo Processo Legislativo – normas e proposições legislativas – sem abordar os conceitos da atividade parlamentar e legislativa. A ontologia do Processo Legislativo que procure atender às necessidades da sociedade e aos requisitos legais descritos na LAI e na Constituição Federal deverá ir além da definição desses padrões de estruturação apenas, mas poderá tomá-los como base para sua extensão ou reutilização, promovendo assim a interoperabilidade e evitando o retrabalho na redefinição de novos padrões estruturantes para essas espécies de documentos.

Por fim, verifica-se que, até o momento, são raras as iniciativas na concepção de ontologias para o e-Gov baseadas na noção de um cidadão coprodutor ou coparticipante das ações de governo. As ontologias criadas normalmente mostram-se construídas sob a ótica do administrador público ou do especialista de domínio apenas, relegando o cidadão a um papel secundário tanto no que diz respeito aos modelos propostos quanto aos métodos usados na construção desse modelo.

No que diz respeito ao Processo Legislativo e à sua ontologia, é preciso capturar os conceitos não apenas da mera produção legislativa enquanto procedimento de criação de normas, mas também os conceitos relacionados aos processos de representação política exercida pelos Deputados, bem como os conceitos referentes aos processos de participação social, iniciativas populares, consultas e audiências públicas, entre outros.