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FRANKENSTEIN, montagem do Living Theatre (1965)

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FRANKENSTEIN, montagem do Living Theatre (1965)

Na primavera de 1965, principalmente durante as viagens, os membros da companhia começaram a elaborar uma produção épica em intenção e não-linear em escala, um espetáculo como o "Götterdämerung" de Wagner, em que o público poderia mergulhar totalmente, envolvendo todos os seus sentidos. Em uma carta para o diretor da Bienal de Veneza, um fórum internacional para as artes que tinha se oferecido para financiar parte da produção e bancar sua estréia, Julian apresentou sua idéia:

"O projeto que eu mais recomendo para uma estréia em Veneza é a versão de Frankenstein em que estamos trabalhando há mais de um ano. Esta produção, livremente baseada no conceito de Frankenstein de Mary Shelley, seria criada, em grande parte, da mesma forma que a nossa produção dos "Mistérios" que, recentemente, alcançou sucesso em Bruxelas, Amsterdã e Roma. Isso significa que não há nenhum texto escrito para a peça. A ação, as palavras, os efeitos serão todos criados pela companhia, trabalhando em conjunto, com as técnicas que desenvolvemos entre nós. Eu planejo um espetáculo elaborado com muitos efeitos visuais, musicais e mecânicos, mas sem um texto definido. O tema - a tentativa de criar a vida a fim de criar servos para o homem, a tentativa de eliminar a necessidade da luta pela sobrevivência neste mundo e os efeitos trágicos desse tipo de pensamento - parece-nos particularmente apropriado para esta fase de desenvolvimento do homem.

Eu sei que deve ser incomum um teatro propor fazer em Veneza uma obra sem um texto escrito, mas minha esperança é que você vai se animar, como nós, com a perspectiva de um trabalho na tradição de Artaud, o conceito de um teatro não-literário que, através de ritual, horror e espetáculo pode se tornar um evento teatral ainda mais válido do que a maior parte do teatro prolixo de Idéias que tem dominado nossos palcos por tanto tempo."

Em abril de 1965, na enorme sala de estar de uma casa em Velletri, numa aldeia nas colinas ao sul de Roma, onde a companhia foi temporariamente alojada, havia longas conversas sobre a violência na sociedade, que se refletia em filmes de terror como "Nosferatu" de Murnau, "Frankenstein" de Mary Shelley, e sobre a capacidade da ciência para impelir o ser humano para o mal. Um modelo de cenário que a companhia estudou e discutiu foi o esboço de "A Conquista do México",  de Artaud, que sublinhava o impacto sensorial dos gritos, gemidos, aparições, efeitos brilhantes de iluminação e o uso de máscaras e objetos surpreendentes. Julian tomou notas sobre essas discussões e começou a fazer desenhos preliminares do cenário.

De Roma, a companhia mudou-se para Berlim. Por várias semanas, os membros da companhia buscaram a ajuda de amigos ou dormiram em lobbies de teatro. Por fim, o Senado de Berlim deu-lhes acomodações gratuitas por um mês na periferia da cidade, perto do Muro de Berlim. Em Spandau - a prisão calabouço do prisioneiro Rudolf Hess - a companhia viveu em comunidade, e as discussões para a montagem foram retomadas em intensidade, com duração de seis ou sete horas por dia. A palavra comunidade, Julian defendia, nascia da comunicação, e através da criação de seu próximo trabalho juntos, falando quase como numa forma de terapia de grupo, o grupo poderia conseguir uma ligação inédita e unificação. 

O processo de criação coletiva dependia de sensibilidade e de uma elevada atenção, ampliada pela utilização de LSD por vários membros da companhia. O objetivo da interação do grupo era aumentar a consciência mútua, de maneira que esta pudesse ser formulada em um drama. Para atingir o público, os atores primeiro tiveram que aprender - e foi uma lição elementar de anarquismo - como se comunicar uns com os outros, sem se magoar ou serem competitivos, mesmo que eles estivessem condicionados a um comportamento competitivo. Em última análise, este foi o teste da "sinceridade vital" de Artaud, eles tiveram que se tornar, como Judith colocou, "digno de nossas idéias".

Nem todos os atores estavam preparados para uma iniciação intelectual tão árdua ao novo teatro. Um terço dos vinte e cinco norteamericanos que haviam passado o inverno em Heist-sur-Mer partiram, alguns descontentes com o subsídio para gastos de cinqüenta dólares por dia, enquanto outros, pelas exigências das viagens incessants e ainda com o processo decriação coletiva. Aqueles que deixaram o grupo foram substituídos por atores europeus, de modo que a companhia ia se internacionalizando, ainda que mantendo o seu carácter exclusivamente americano. Peter Hartman, que tinha ajudado a gerir os assuntos de negócios e estava trabalhando na música de Frankenstein, comentou sobre as dificuldades causadas pelo processo de criação coletiva:

"Tinha que haver um acordo geral sobre cada aspecto da produção, antes de ir para a próxima etapa. E como a habilidade, a capacidade intelectual e a educação dos que formavam a companhia não estava no mesmo nível, a luta para realizar qualquer ponto fundamental da produção era monumental. A técnica de discussão de mesa redonda esgotou minha paciência e minha força física. Achei extremamente difícil esperar e esperar, esperar e esperar. "

Como o dinheiro da Bienal de Veneza erarecebido em parcelas, o cenário de Frankenstein teve que ser construído lentamente, mais ou menos como a peça evoluía na imaginação dos atores. O cenário de Julian era um espaço cubista e teria uma influência clara sobre produções posteriores como "Einstein on the Beach" de Philip Glass. Uma grade de ferro de trinta metros de altura com plataformas de madeira e tubos de aço, o espaço foi dividido em quinze compartimentos conectados em três níveis. Usando o romance de Mary Shelley e os vários filmes de "Frankenstein" como um trampolim, The Living Theatre teceu fragmentos do conto familiar através de três atos e mais de três horas de ritual, mito, pesadelos e lendas da sabedoria antiga e da civilização contemporânea.

Enquanto "Mistérios" começou com seis minutos de silêncio, "Frankenstein" abriu com um total de meia hora de silêncio, durante a qual os atores tentam fazer uma mulher no centro do palco levitar. A levitação falha e ela é lançada em um caixão que é levado para o público, em um cortejo fúnebre como um emblema da morte. Quando um dos atores grita: "Não!" ele fica pendurado no alto por uma corda. Outros são executados em uma cadeira elétrica, na câmara de gás, na guilhotina, num pelotão de fuzilamento e por crucificação - todos gritando em vários cubículos. Esses cadáveres fornecem as partes do corpo com que Dr. Frankenstein vai montar a sua criatura.

Com a ajuda dos fantasmas de Paracelso, Freud, e do cibernético Norbert Weiner, que aconselha o uso da eletricidade, a criatura é montada, o corpo do monstro criado por dezessete atores, cuja silhieta se destaca contra um pano de fundo.

Uma excêntrica, extravagante acusação da civilização tingida com sadomasoquismo, a peça apresenta uma alegoria do pesadelo da dominação do homem pelo homem. O ato final, que acontece em uma prisão, revela a qualidade de espetáculo espasmódico e expressionista que caracteriza a montagem. Os atores procuram, com lanternas, na plateia, outros atores para aprisionar. Dr. Frankenstein é um dos que é preso. Em meio a uma revolta de prisioneiros, o Dr. Frankenstein começa um incêndio para desviar a atenção dos guardas. Gritando em pânico, os prisioneiros se reúnem para formar o gigante de seis metros  do monstro de Frankenstein que, com uma lanterna em uma mão, e uma rede na outra, avança ameaçador sobre o público, o símbolo da civilização que é uma ameaça em si mesma.

A companhia ensaiou "Frankenstein" durante o verão de 1965, durante a apresentação de "Brig" sete vezes,  de "The Maids" dezenove vezes e "Mistérios" sete vezes, em Berlim e Munique. O trabalho que veio a ser Frankenstein, Julian chamou de "o esforço comum de um grupo de náufragos, se afogando e tentar salvar um ao outro." 

Um "salto no abismo da nossa própria impotência", Frankenstein foi uma tentativa de reduzir o que Julian chamou de "loucura do mal" no mundo, que estava em todos os corações humanos, para "pendurá-la na praça pública que é o nosso teatro" .

De acordo com Peter Hartman, eles estavam menos interessados em sugerir uma visão alucinatória e mais em envolver de imediato o público nessa visão. As consequências de tal abordagem foram imediatas e drásticas. No final de setembro de 1965, eles apresentaram Frankenstein em Veneza, na Bienal. Houve problemas com a tecnologia de iluminação e as apreensões de Dr. Wladimiro Dorigo, diretor da Bienal, que estava nervoso com a apresentação pouco convencional. Pouco antes da abertura, no Teatro La Perla, no Lido, Julian cuspiu nele em uma discussão. Imediatamente após a apresentação, Julian foi informado pela polícia de que a companhia tinha sido banida da Itália. Nenhuma explicação foi oferecida - mas os membros da companhia assumiram que a proibição tinha mais a ver com o que acontecera em Trieste, quando Jim Tiroff apareceu nu, por alguns segundos, em uma cena de tableau vivant, em "Mistérios" - e a caravana de três ônibus Volkswagen bastante detonados foi escoltada até a fronteira austríaca.

(Traduzido por Lucílio Bernardes, de "The Living Theatre", de John Tytel)

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